sábado, abril 24, 2010


Graças a Deus e ao Diabo

Mais um dia normal, mais uma terça-feira normal, enfim, a mesma rotina normal. E como normalmente, eu não estava bem. Tinha me sentido mal a noite toda, aquela sensação de ansiedade, de claustrofobia, de pânico, de borboletas no estômago. Definitivamente não tinha sido uma noite boa.
Tive que acordar mais cedo, era necessário. Tomei o banho mais cedo, me vesti mais cedo, soquei meu café garganta abaixo mais cedo, fui pro colégio mais cedo. O ar “fresco” das sete e vinte da manhã costumava me fazer bem, mas a essa altura, nem isso adiantava.
Sinceramente eu estava sentada naquela mesa com a esperança de ver ele, de longe nem que fosse. Me fazia feliz só observar ele entrando sorrindo pelos portões do colégio logo cedo. O vento que batia no cabelo dele me fazia sonhar, sempre.
É, como eu queria, ele chegou. Achei que, como sempre, ele ia seguir reto, ia olhar pro lado, me dar o bom-dia de sempre e continuar o trajeto. Bem, não foi assim. Ele se dirigiu até mim, viu a minha cara de “noite-mal-dormida” e perguntou o que aconteceu:
- Hei Gabi, tudo bem?
Até agora tudo estava dando errado. Então como ele podia chegar do nada e fazer da minha manhã tão sublime e feliz? Definitivamente eu estava enlouquecendo.
- Queremos sinceridade aqui?
- Eu gostaria...
- Na verdade, nada está muito bem...
A essas alturas, eu já estava com a mão na boca, tentando esconder o rubor das minhas bochechas e o calor que eu estava exalando pelo nervosismo.
- Hum, quer me contar?
- Talvez.
Ele sorriu. Talvez soubesse que quando sorri, eu me desmancho toda, e se ele pedisse, naquele momento, pra que eu me jogasse de qualquer ponte, eu me jogaria. Então, fazer o quê, falei.
- Já sentiu a necessidade de ter uma pessoa por perto? De quando ela te vira às costas, sentir vontade de sair correndo atrás e puxá-la de volta, pra que ela nunca mais saia de perto? De querer nunca desgrudar dela, de ter ela sempre do seu lado, como porto-seguro, como suporte, como base, como companheiro, como amor?
- Acho que sim, bem recentemente, mas pode continuar, estamos falando de você agora.
- Bem, indo direto ao assunto, tem um “nada sortudo” me encantando por aí.
Ele riu, de novo. Senti meu coração descompassar, perdi o ritmo, perdi o raciocínio, perdi o chão. Era só ele ali. Ele pra mim, e eu... Nada pra ele.
- Ah, isso. Também tem uma me arrancando suspiros.
- Há, ela seria uma imbecil que se não cedesse aos seus encantos, gringo.
Antes que qualquer um tire uma conclusão precipitada, eu costumava chamar ele assim sempre, era como se eu estivesse sendo irônica, afinal, a mais branca ali sempre fora eu.
Ele sempre ria daquela minha piadinha constante quanto as nossas cores, mas daquela vez não. Sendo um pouco insegura, eu realmente me assustei quando ele não riu. Jurei não ter agradado e, novamente, perdi o fio da meada.
Ele ficou sério, me olhou no fundo dos olhos, tentando me arrancar uma verdade que ele não tinha certeza se existia. Mas o que ele queria, eu tinha para dar.
- Você seria imbecil?
- Imbecil? Quanto?
- O suficiente pra gostar de um garoto como eu?
Gelei, minha alma fez um passeio pela escola e voltou. Em alguns segundos, todos os tipos de sentimentos e expressões tinham passado pelo meu rosto, mas com certeza, só eu havia me tocado disso.
- Se eu seria? Pra falar bem a verdade... Eu sou.
Fiquei roxa, verde, azulada, amarelada, até chegar a uma cor que pudesse de dizer parecida com vermelha. Mas passou. Senti um alívio tão grande por ter falado aquilo, por não ter mais que guardar tanto segredo, uma amizade que nunca tinha existido e que eu tinha certeza que não se tornaria colorida. Pelo menos não como eu estava aparentando agora.
Mas, para a minha incrível e inacreditável surpresa, ele não se acanhou, não se assustou e muito menos se afastou. Ele riu. Riu como se toda a vida dele dependesse daquilo, riu como se só tivesse chegado ali pra me arrancar aquilo e, agora, eu estava começando a temer que ele me virasse às costas se aproveitando da minha confissão.
Não, ele definitivamente não fez isso. Ele gargalhou, e quando ele fez isso, eu jurei ter escutado sinos batendo em dia de neve, tudo branco, tudo claro, tudo pra mim. Era isso que ele era. Tudo. Só um som eu ouvi naquela hora, além dos NOSSOS corações, claro. A voz dele.
- Você é a imbecil mais linda e com os olhos mais brilhantes que eu já conheci...
E eu me perdi. Me perdi na sua boca, nos seus olhos, nas suas mãos tocando o meu rosto e nos seus braços me envolvendo. Graças a Deus, aquela era uma manhã fria. E graças ao Diabo, o sinal tocou.
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