sábado, abril 24, 2010


Hospital de Bonecas

Seu toldo de cor clara, com pouco mais de dois metros de comprimento sobre uma única porta, traz impressas três palavras: Hospital de Bonecas. Ao adentrar por seu estreito corredor, os olhos se atordoam diante de um local realmente diferente e especial. O início de uma viajem no tempo.
Elas vêm de mãos puras e leves, de mentes delicadas e pueris, de cuidados infanto-juvenis, de pensamentos afáveis, de sorrisos e exaltações simples como as de uma criança. Elas fizeram brilhar os olhos de muitas delas, mas agora precisam de ajuda. Chegam ao hospital usadas, precisando de outros tipos de cuidados, mas além disso, precisam ter a certeza de que, no quarto da UTI, suas jovens e doces mães vão segurar seus dedinhos em suas mãos de pele macia e perfumada com lavanda, vão ser levadas pra casa e terão sua caminha, seu conjunto de panelinhas e xícaras de chá e suas roupinhas de volta.
Então são carregadas até a sala de cirurgia. Levam anestesia de beijos e abraços de despedida, ganham sorrisos e lágrimas de esperança, ganham lembranças, ganham vida nova. A cirurgia plástica vem em primeiro caso, afinal, foram seus traços suaves e amáveis que as levaram até suas mães. Os olhos já não tão brilhantes de porcelanas são retirados, lavados, polidos, pintados e abrilhantados, e logo logo retornam aos seus devidos globos oculares. O cabelo é reposto, quem sobrevive sem um mega? Fio a fio a sobrevida dessas pequenas filhas vai sendo trançada novamente, e a esperança vai sendo instante a instante, renovada na sala de espera.
Saindo da sala de Plástica, vem a sessão “Trauma”, onde todos esses são superados. O pescoço é novamente unido à cabeça, as mãos, as pernas, tudo no seu devido lugar. As vezes em que foi derrubada, deixada de lado, substituída ou largada em qualquer canto da casa são esquecidas, e tudo não passa de meras lembranças nesse momento.
O banho é tomado, as roupas novas são vestidas, os babados, os acessórios, o perfume, os sapatos, tudo como da primeira vez, e ela está nova. Continua a mesma, só um pouco mais nova.
O mundo dos brinquedos é um espelho do mundo em que vivemos. Antigamente, as crianças não brincavam de bonecas, elas eram as bonecas, e essas bonecas duravam anos e anos. Hoje se tem mais liberdade pra brincar, as crianças brincam a hora que querem e são quem querem. Assim, novas bonecas são compradas e outras são jogadas fora. Personalidades descartáveis.
Tudo isso, todo esse processo e todo esse Hospital, é mais que vender e restaurar bonecas, é abrir uma porta no tempo e nos chamar para uma reflexão acerca da infância, da história, do brincar e de como o mundo tornou as coisas (e os sonhos) descartáveis.
Para as pessoas é o preço que vale as lembranças de uma vida inteira.
0

0 comentários:

Postar um comentário

:a   :b   :c   :d   :e   :f   :g   :h   :i   :j   :k   :l   :m   :n   :o   :p   :q   :r   :s   :t