sábado, abril 24, 2010


Longe de Você

Eu acordei quase pior do que quando havia ido dormir. Estava desnorteado e ainda um tanto dopado, os remédios para depressão e insônia não tinham perdido o efeito e eu saí da cama cambaleando para todos os lados.
Segui em direção ao banheiro com a sensação da bile chegando até a boca, com aquele embrulho, aquela vertigem dos infernos. Fui direto ao vaso e lá despejei tudo de ruim que havia dentro de mim, ou quase tudo. Naquela hora que levantei a cabeça e caí dentro do Box úmido do banheiro, me perguntei se o que não existia podia ser combatido. Havia em mim uma coisa que o vômito não tinha posto pra fora: o vazio.
Levantei e liguei o chuveiro na água fria. Não sentia nada. Nem frio, nem dor, nenhum tremor corporal, nada. Só o vazio que ainda habitava ali e o barulho das gotas caindo no piso gelado. Saí. Peguei a toalha e me enxuguei com fúria, tentando arrancar de mim todas aquelas feridas que me torturavam. Não funcionou. Fui até o espelho e nada me admirou o que presenciei ali: eu nada via.
Há tanto tempo eu achava ter superado tantas perdas, mas ninguém precisa ser forte 365 dias por ano, precisa? Eu tinha escondido, deixado que o tempo apenas tirasse aquele sofrimento do centro das minhas atenções. Uma foto, uma maldita fotografia escondida em algum canto do meu armário me deixou desse jeito, sem rumo. Aquela sensação de desgosto veio à tona, perdi o chão na hora. Em todos esses anos tentei não lembrar daqueles olhos castanho-mel que tanto me enlouqueciam, que tanto me hipnotizavam, e quando olhei pra ela, ali parada para o flash, sem movimento algum, só com uma expressão de ‘dia feliz’ no rosto... Ah, foi uma facada em meu peito, a mais dolorida. Pensar que eu não a tinha do meu lado, que seu corpo esguio já não esquentava mais o meu nos dias frios de inverno, que seu sorriso já não iluminava todo o escuro do quarto, que as suas lágrimas doces agora corriam apenas pela minha face, porque a dela já não existia mais.
Fechei a porta do banheiro com uma força estrondosa e corri, corri para fugir de um passado que não havia passado, só esperado a hora certa pra voltar. Tranquei-me no quarto. Fiquei lá, sozinho, sentado na cama, balançando de um lado para o outro em uma atitude totalmente autista, tentando tirar da minha memória todas as lembranças que ainda restavam dela, do seu perfume, do seu jeito maravilhoso de andar e de cantar. E como cantava bem. Por muitas e muitas noites eu dormi ouvindo aquelas melodias afinadas saindo da sua boca, aquelas canções que traziam a nostalgia da minha infância, das brincadeiras, dos banhos no riacho, dela. Eu estava enlouquecendo.
No dia em que ela se foi, eu quase fui junto. Éramos como queijo e goiabada: totalmente diferentes, mas juntos se entendiam tão bem que criavam outro gosto. Eu vivia pra ela, pra ver nem que fosse uma vez no dia, aquele sorriso, aqueles olhos sedutores brilharem. Ela era a minha estrela mais brilhante, e se foi.
Foi como perder a vida através de outra pessoa. Fiquei meses sem ir trabalhar, sem atender telefonemas de amigos e familiares, sem sair de casa, sem ver ninguém. Ela fora minha vida por oito anos, e agora havia acabado. Eu não podia superar essa idéia.
Parei com a nostalgia quando percebi que seria mais difícil do que o normal voltar à realidade. Levantei, me vesti e saí de carro. A nossa foto, a do ‘dia feliz’, estava no bolso da minha camisa, perto do meu coração, de onde aquela mulher jamais sairia. Eu sabia. Estava indo ao seu encontro, e não senti medo algum em saber disso.
Dirigi por horas seguidas, sem sono, sem fome, sem vontade alguma, estava seguindo as cegas, deixando que a minha intuição me guiasse pra algum fim trágico ou nem tanto. Parei. Estacionei em um lugar deserto, com a brisa batendo no rosto e o sol se pondo logo à frente. Peguei a flor que tinha comprado na floricultura da esquina e atirei no precipício que tomava toma a imensidão que os meus olhos alcançavam. Tirei a foto do bolso e a beijei pela última vez. Meus lábios se abriram e uma única frase foi pronunciada: “Estou indo ao seu encontro, meu amor, porque amores como o nosso duram mais que uma vida”.
E o silêncio me seguiu. Não era mais o vazio, porque de algum modo, eu ia encontrá-la, só o silêncio e a solidão.
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