sábado, abril 24, 2010


Raios de Anjo

Era estranho nós estarmos ali, pensei nisso naquele instante. Há pouco tempo atrás a gente nem se dava, tinha uma nuvem preta pairando sobre as nossas cabeças que afetava a nós dois. Ele me olhava com nojo, e eu o olhava com desprezo. Era um ódio recíproco.
Não dava pra acreditar que agora, olhando pro lado, eu via ele rindo junto comigo, correndo pra escapar da chuva, cobrindo-se com as mãos e pisando nas poças d’água só pra elas respingarem nas minhas calças azul-claro novinhas. Se fosse nos tempos passados, eu daria um chilique ali mesmo, no meio da chuva, e faria ele pagar uma calça nova igualzinha a que ele acabava de sujar de barro, mas hoje não. Hoje era diferente, hoje eu, hoje ele, hoje nós dois éramos diferentes.
O cabelo dele balançava com a brisa e o pouco sol que ainda restava – não pela chuva, mas por já estar entardecendo – fazia com que o sorriso dele parecesse ainda mais branco. Eu devia me repreender por olhar tanto assim pra ele, por estar detalhando-o na minha mente e desenhando-o cada vez mais perto de mim. Ainda devia existir um asco entre nós dois! Devia existir, mas se ainda houvesse alguma coisa que me fizesse não gostar dele, essa tal “coisa” devia ser muito insignificante, porque de nada estava adiantando.
E então, a chuva desabou.
Corremos um ao lado do outro até encontrar algum lugar pra ficar, pelo menos até que a chuva amenizasse um pouco. Tanto tempo conversando ali, e eu o conheci mais do que em qualquer um dos anos de convivência colegial que nós já havíamos tido. Éramos iguais, iguais nas músicas, nas escolhas, nos sentimentos, na preferência, no amor. Mas por mais que a conversa estivesse deliciosamente sublime, algo me chamou mais atenção.
Olhei pra cima e vi os “raios de anjo” bem perto do arco-íris mais brilhante que eu já tinha visto. Desde quando minha mãe se fora, aquilo era o que me fazia pensar ainda mais forte que ela estava sempre ao meu lado. Era um símbolo pra dizer que ela nunca iria deixar de me olhar e de zelar pela minha felicidade. E, naquela hora, ela estava ao meu lado.
Fiquei ali parada, me sentindo um tanto sozinha olhando aquele arco-íris enquanto ele conversava comigo e eu não definia mais palavras, era só um rosto, uma boca em movimento. Minha cabeça estava viajando, girando pelo mundo, procurando algumas das respostas que eu realmente queria encontrar.
Mergulhada nas memórias de antigamente, de quando eu era bem pequena e acreditava em contos de fadas, papai Noel e fada do dente, lembrei de uma história que minha mãe me contou desmentindo algumas outras. Uma vez eu estava olhando a chuva pela janela e vi algo brilhando no quintal, olhei pros céus admirada em achar um arco-íris. Não havia dúvidas, o pote de outro estava do lado de fora de casa só esperando pra que eu o encontrasse. Mas quando eu cheguei perto daquele brilho, era só uma moedinha de nada caída na grama verde. Eu chorei muito, olhei pra minha mãe e perguntei se o final do arco-íris não era ali, se o pote de ouro e toda a riqueza não ficavam na nossa casa. Ela me pegou no colo, afagou os meus cabelos e disse quase chorando que no final do arco-íris não tem nenhum pote de ouro do pequeno duende verde, nem um tesouro enorme que vale milhões. O arco-íris é diferente pra todos e, no final dele, só existe aquilo que você mais deseja, mais ama, e mais quer proteger. O final do arco-íris, pra ela, era ali. E o meu estava bem ao meu lado.
0

0 comentários:

Postar um comentário

:a   :b   :c   :d   :e   :f   :g   :h   :i   :j   :k   :l   :m   :n   :o   :p   :q   :r   :s   :t