segunda-feira, outubro 11, 2010


Aqui se faz, aqui se paga

Estávamos discutindo a mais de uma hora. Eu não aguentava mais aquilo, era insuportável. Não havia nada de errado comigo, não sei porque ele insistia nessa bobagem ridícula de mudança e indiferença. Nós namorávamos desde os treze anos e, agora, ambos tinham vinte e quatro! Quem não mudaria nesse tempo todo? Sinceramente, eu não sabia o que a gente ainda fazia juntos. Era um saco, com o perdão do termo. As mesmas coisas, os mesmo lugares, as mesmas palavras, as mesmas desculpas, a mesma rotina. Isso. Já tinha virado rotina e, quando isso acontece, é porque o “encanto” acabou.
Queria sair correndo daquele lugar. A essas alturas, eu nem lembrava mais onde nós estávamos. Toda vez que começávamos uma discussão, eu tinha uma vontade louca de jogar ele na parede e socar a cara dele até ela explodir na minha mão. Precisava me controlar.
Viajei, saí de órbita, fugi. Enquanto ele ficava lá, com aquela conversa irritante que poderia ter sido evitada, eu me fingia de surda. Via a boca dele se movimentar, mas não escutava nada.

Eu vi uma rua movimentada, carros passando em alta velocidade, a boca dele ainda se movimentando e eu ainda sem escutar nada. Caramba, eu estava enlouquecendo e a culpa era dele. Não acreditava que, depois daquilo, eu iria precisar de uma psicóloga. Merda! Fiz o que me deu vontade de fazer. Queria isso há muito tempo. O empurrei na avenida, no meio de todos os carros e virei as costas. Ouvi buzinas, freadas e um estrondo. Não quis me virar para ver o que havia acontecido, eu já sabia o que iria ver se me voltasse para a rua. As pessoas gritavam, pediam socorro, mas eu estava bem, muito bem. Pensei: “devia ter feito isso antes, ou então, fazer mais vezes”. Eu não estava louca, pelo contrário, estava muito plena, quase pura.
Enquanto caminhava, escutei a ambulância chegando. Sorri, e rezei pra que fosse tarde. Empinei a bunda, levantei os peitos, arrebitei o nariz, ergui a blusa e desfilei estilo “patricinha de Beverly Hills”. Pra quem cruzava por mim, a ambulância e a confusão logo à frente não chamavam atenção. Aqui se faz, aqui se paga.

Ele me balançou, quase me bateu. Disse que eu não tinha prestado atenção em nada do que ele havia falado, e era verdade. Eu não tinha acordado completamente, ainda estava meio fora de mim, mas ele estava lá, e bem vivo. Droga! Nada de avenida, nada de carros, nada de buzinas, pessoas gritando ou ambulâncias. Sem mortes e sem satisfação. Doce ilusão...
Levantei do sofá, arranquei a aliança do meu dedo, joguei na cara dele e disse: “Vá se foder, por favor”.
Perfeito, quase a mesma sensação e eu não corria o risco de ir pra cadeia. Finalmente eu poderia viver onze anos de atraso.
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