domingo, abril 10, 2011


Sempre tem mais

A casa estava uma bagunça, as crianças não paravam de gritar, a televisão com o jogo de futebol a todo o volume, o bolo queimou, manchei um lençol com água sanitária, enfim, um dia pra não sair da cama.
Desse jeito não dá.
Larguei tudo. Sai daquele cubículo que me sufocou o dia todo.
Empurrei as crias para o “maridão” que de ão não tinha bosta nenhuma e sumi. Ia voltar logo, fato. Mas se sentissem a minha falta, me tratariam muito melhor. Ah se tratariam.
Desci de escadas, não ia sair de uma caixa pra entrar em outra. Tirei o calçado e decidi andar assim, à pé, literalmente. Subi três quadras e enquadrei o mar. Que delícia de visão.
Moro num apartamento, ali, pertinho da praia, mas nunca dá tempo de dar uma chegadinha aqui. Como isso? Meu deus, isso é terapia.
Sentei na areia de moletom e calça jeans mesmo. Como era um dia frio de outono, ninguém caminhava por perto ou coisa parecida, ainda que fossem apenas cinco da tarde. Aquele vento, aquele cheiro, aquela paz... que maravilha. Porque diabos a minha casa tinha que ser o inferno que era?
É muito “mãe” pra todo lado. “Mãe, a fulana me bateu! Mãe, o cicrano estragou o meu desenho! Mãe, onde tá isso? Onde tá aquilo? Mãe, vem aqui!”. Mãe não tira folga nem quando dorme. Eu deito na cama por dois minutinhos e começa tudo de novo! “Mãe, trás minha mamadeira! Mãe, quero água! Quero banheiro!”. Ah, vá. Tenha dó! Preciso respirar. Ser mãe/dona de casa me tira a liberdade até de fazer isso: respirar.
Sentada ali, na areia, eu não era mãe. Não era a cozinheira ou a faxineira ou a escrava sexual do marido pouco presente. Eu era eu. Eu, o frio, o mar e o resto. Quem passava não me conhecia, não sabia o meu nome, não podia me chamar de mãe nem pedir pra eu pegar ou limpar alguma coisa. Devia ter fugido pra ali há muito tempo atrás.
Fiquei parada, pensando em qualquer coisa que não fosse a minha vida, descansando do meu papel na sociedade. De pouco em pouco, o sol foi descendo, se escondendo no mar, deixando o tempo mais frio e a praia mais escura. Que espetáculo! Tanta gente passa por aqui todos os dias, inclusive eu, quando faço o mercado, mas quem é que para pra olhar uma coisa dessas? Se parassem, não iriam precisar de terapeutas.
É, infelizmente estava na minha hora. Por mais que a raiva e a exaustão da minha casa tivessem me trazido até ali, a mesma casa me fazia voltar. Só que, agora, muito mais tranquila, mais sedenta de ser chamada de mãe, de ler histórias e de fazer o jantar. E sabe o que é melhor? Amanhã, se eu precisar fugir, tem mais aqui, no mesmo lugar. Sempre tem mais.
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